Encontros (des)amorosos



Desta vez, parecia que a noite havia demorado a passar. Era como se tivessem dormido séculos! Foram acordados pelo telefone, que tocava insessantemente, até ser atendido por Johnny, que, meio sonolento, mal conseguia entender a voz impaciente do outro lado da linha:

- Velho, cadê você? Nós não combinamos de correr as 8? São dez horas da manhã, e você ainda não apareceu. - era Thomas, e estava evidentemente zangado.



- Thom! Desculpa, eu perdi a hora. As meninas passaram a noite aqui, aconteceram umas coisas e... - ia contar os fatos ocorridos na noite anterior, quando Bet interrompeu-o, colocando a mão em sua boca.




- É melhor não contar nada, por favor. - o pedido soava em tom suplicante. Ele apenas concordou com a cabeça, ela afastou a mão e então o diálogo recomeçou.


-... ah, esquece Thom. Bom, a corrida fica para uma próxima, pode ser?


- Sei, Ficzko. Faz festinha e não convida mais a gente, o que é isso? Tá querendo todas pra você? - do outro lado, Thomas gargalhava, irritando o amigo.



- Muito engraçado. Preciso desligar.


- Ei, espera, foi só uma brincadeira! Antes quero te convidar para uma baladinha, o que você acha?


- Eu preciso ver com as garotas, depois retorno. - agora, ele já estava impaciente com aquela ligação.


- Ah, então elas vão passar umas férias aí? Safadinhas, hein? - esse tipo de piada era típica da sua personalidade.


- Cala a boca, Thomas. - Ficzko gritou, extremamente irritado, enquanto elas observavam-no, deitadas no chão.


- Tá bom, parei. Vou dar uma passada aí, pode ser? - Thom tomava alguns goles de água enquanto falava.


- Você que sabe, velho. Vou desligar, até depois. - dito isto, encerrou-se aquela ligação.


Ficzko foi até a geladeira pegar um copo de refresco, enquanto a sala permanecia em completo silêncio. Quando retornou ao local, Dorothea tomou a palavra.


- Tive um sonho esquisito essa noite, sabe, não foi bem um sonho, parecia... uma lembrança. Vi vocês naquele acampamento, há alguns anos atrás, lembram? Mas aconteceram coisas... estranhas.


Todos fitavam-na estarrecidos, e logo começaram a perceber que não foram os únicos a ter aquele estranho sonho. Um a um, foram contando exatamente o que sonharam, espantados, constataram tratar-se, não de um sonho, mas sim uma lembrança.


- Isso é loucura, eu nem estava lá, como poderia sonhar (ou relembrar, que seja) o mesmo que vocês? A menos que alguém implantasse lembranças em minha mente! - Dorothy levantou-se, andava de um lado para o outro, em sinal de preocupação.


- Acho que estamos enlouquecendo, não há uma explicação óbvia para tudo isso. - Helen estava apavorada, seus olhos enchiam-se de lágrimas enquanto falava.


- É o que eles querem, vão nos enlouquecer até que não possamos mais oferecer resistência, e então... - Elizabeth chorava.


- Então eles nos matam. - conclui Katarina, enquanto tirava seus cabelos do olho. Estavam desbotados, precisaria repintá-los urgentemente.


- Não, eles não irão nos matar. Nós vamos resistir até o fim, vocês estão me ouvindo? - Ficzko tentava acalmá-las, mas no fundo, tinha vontade de chorar, vontade de sumir.


- Nós vamos morrer, será que vocês não percebem? Vamos todos morrer, eles querem que a gente sangre. - Elizabeth estava descontrolada, chorava desesperadamente enquanto puxava os cabelos, quase arrancando-os.


- Cala a boca, Beth! Cala essa maldita boca! Ninguém aqui vai morrer... - Johnny a segurava pelo ombro, balançando-na de um lado para o outro. - ... eu prometo, prometo.


Elizabeth soluçava, desesperada. Helena, também chorando, havia se afastado para o outro lado da sala. Mas que droga! Ela também estava ali, chorando de desespero, mas Johnny nem reparava. Isso doía demais. Elizabeth era tão linda! Helen tinha certeza que ele também pensava assim. E ela, era tão sem graça: aqueles cabelos ondulados, que não se ajeitavam de forma nenhuma, e alguns quilinhos a mais que a encomodavam todas as vezes que ia comprar roupas. Queria ser igual a Beth, aí sim ele a notaria, sabia disso. Estava tão absolvida por aqueles pensamentos, que mal ouviu quando Katarina chamou-a:


- Tá surda, Helena? Vai buscar um copo d'água pra Beth! E coloque açúcar, ela precisa se acalmar.


- Vou trazer logo um litro de vodka, assim todos nos acalmaremos.


Helen andou desajeitadamente até as escadas, subiu-as rapidamente. Logo deparara-se com o corredor da parte superior da casa. Abriu a segunda porta à esquerda, entrando no quarto de Ficzko. Olhou-se no espelho ao lado da porta: como podia ser tão feia? Dorothy, sua irmã era bonita, ela não. Também precisava de um regime, estava gorda, mal cabia em suas próprias roupas. À sua esquerda, estava o guarda-roupas dele. Na porta do meio havia um cadeado, que somente ficava aberto quando a família não estava em casa: era ali que guardava suas bebidas, cigarros e baseados. Mas que droga, não havia mais vodka. Haviam ali diversas bebidas, vulgares e importadas. Seus olhos fixaram-se em um whisky, que parecia ser bastante caro, pegou-o e enconstou a porta. Ia retirando-se do quarto, quando viu na cabeceira da cama um porta-retratos com uma foto de Johnny. Não pôde resistir e pegou-a. Nossa, ele era tão lindo! Sentou na cama com a fotografia em seus braços, ficou criando mil e uma cenas de amor para eles dois, quando ouviu uma voz vinda de perto:


- Nossa, que demora. Pensei que tivesse se perdido em minha casa. Helena? O que você está fazendo aí, e com minha foto? - Ficzko observava-a da porta.


- Oi, eu... é que.. - largou imediatamente a foto e levantou-se, não esperava que ele aparecesse ali, pelo menos, não agora. - ... não tinha mais vodka então, peguei um whisky. Você se incomoda?


- Não, é lógico que não. Você estava demorando, então resolvi vir aqui ver o que estava acontecendo, fiquei preocupado.


- Comigo? Você? Você preocupado comigo? - Helen estava desconcertada, e um tanto lisonjeada.


- Claro, com quem mais? Cara, Helen, que pergunta! Viu, eu vou tomar um banho agora, Dorothea e as meninas vão à sua casa, acho que pegar algumas roupas, pois Kat e Bet estão com medo de retornarem à suas próprias casas. Você as acompanha? - observava-a pelo canto daqueles olhos azuis e brilhantes, parecia não se abalar com aquelas "coisas".


- É, acompanho sim, também quero tomar um banho, me arrumar um pouco, estou péssima. Vou descendo, então... Tchau! - Helena saiu apressadamente do quarto, como podia ser tão idiota? Tinha que estragar tudo falando aquelas besteiras, claro.


Na sala, Dorothea, Elizabeth e Katarina estavam preparando-se para sair. Haviam lavado seus rostos no banheiro, e escovado um pouco os cabelos. Ficavam bastante diferentes sem maquiagem, tendo em vista que a usavam diariamente há anos. Helena ainda estava na metade da escadaria, quando Dorothea chamou-a:


- Helen, estamos indo lá em casa pegar umas roupas e tomar banho, depois iremos na casa da Katarina, e mais tarde na da Beth. Você vem?


- Vou, claro. Espere um pouco, apenas irei lavar meu rosto e arrumar meus cabelos. - Helena apenas gostaria de não ter que olhar-se no espelho.


- Dorothy, eu não gostaria de voltar para minha casa, nem sequer por alguns minutos. - exclamou Elizabeth, de repente. - Será que você não poderia me emprestar algumas roupas e um pouco de maquiagem? Aí eu vou no banco pegar dinheiro e compro escovas de dente, e o que mais precisar.


- Por mim tudo bem, é melhor mesmo, assim evitamos caminhar demais. E você Kat, quer ir em casa ou quer algumas coisas emprestadas? - Dorothea era sempre compreensiva, e sabia que não seria nada bom irem tanto na casa de Elizabeth, quanto na casa de Katarina.


- Se você não se importa, fico com a sugestão da Beth. Olhem, Helen está pronta, vamos indo?


Logo estavam na rua, rumo à Northway. Estava movimentado demais, carros iam e vinham o tempo todo, e isto era inquietante para Katarina. Se nada daquilo estivesse acontecendo, provavelmente, agora, ela estaria em sua casa, sozinha. Tomando uma dose de café bem forte, e depois indo até seu pequeno brechó, passaria a tarde inteira lá, atendendo uma ou outra freguesa, e à noite, tomaria um bom banho quente em sua banheira gigante. Depois, deitaria na cama, e nada a perturbaria. O silêncio tomaria conta daquele local, só poderia ouvir a própria respiração, ela e mais ninguém. Provavelmente choraria, não sabe o porquê, sabe apenas que choraria até adormecer. E acordaria rindo, como sempre fazia. Mas não, as coisas definitivamente saíram do controle. Por mais que se esforçasse, não conseguia entender o que acontecia com eles. Durante o caminho, as outras meninas conversavam, tentando parecer calmas e alegres, mas, no fundo, Katarina sabia que estavam tão aterrorizadas quanto ela. Podia ver em seus olhos, aquilo tudo era tão absurdo, tão ridículo! Todos sabiam que espíritos não existiam, muito menos espíritos assassinos que trazem consigo uma maldição! Porém, todos sabiam também que aquilo era real.


Em menos de dez minutos chegaram ao Edifício Jerry Nichols. Subiram a escada até o quarto andar, entraram no apartamento de número 401. Era bastante espaçoso, levando-se em conta que apenas elas duas moravam ali. Dorothea atirou-se no sofá, reclamando:



- Minhas costas doem, meus braços doem, tudo dói. Podem ir primeiro para o banho, garotas. Uma pode ir no banheiro social, no fim do corredor, e há outro banheiro no quarto da Helen.


- E toalhas, roupas? - perguntou Elizabeth, enquanto observava uma estante com várias porta-retratos, quase empilhados um sobre o outro.



- Ah, tem toalhas nos banheiros, roupas nós veremos depois. Só tem uma coisa, acho que o aquecedor do meu quarto nao está muito bom, então uma de vocês fica no banheiro social, deixa que eu tomo banho lá. - falou Helena, aparentemente inquieta.


Elizabeth e Helena dirigiram-se aos respectivos banheiros, enquanto Dorothea e Katarina ficaram na sala.


- Quer comer alguma coisa? Tem pizza na geladeira, e acho que alguns chocolates na despensa. - indagou Dorothy, levantando-se do sofá e tomando o rumo da cozinha.


- Uma pizza e um cigarro. - respondeu Katarina, acompanhando a amiga.


- E que tal uma dose de vodka com refrigerante?


- Aceito. Dorothy, você é ótima! - disse ela, arrastando uma cadeira e sentando-se.


Logo Dorothea serviu a pizza, colocou uma garrafa de vodka e outra de refrigerante em cima da mesa, destampando-as. Foi até a sala, retornou com um maço de cigarros e fósforos.


- Não deveríamos ter deixado Ficzko sozinho, Kat. - comentou Dorothy, enquanto mastigava um pedaço da pizza de cheddar com champignom.


- Sim, mas ele sabe se virar sozinho. Além do mais, você deve ter percebido que isto só acontece à noite, não é?


- É, percebi. Sendo assim fico mais tranquila! Agora que já comemos, o que você acha de separarmos algumas roupas? - convidou Dorothea, retirando-se da mesa.


Chegando no quarto, separaram calças, casacos e blusas. Elizabeth saíra do banheiro nesse momento, e fora ao quarto para vestir-se. Katarina escolheu suas peças e foi para o banho. Em menos de meia hora, estavam prontas: vestidas e de banho tomado. Voltariam para a casa de Johnny e lá encomendariam pizzas para almoçar. Refizeram o trajeto pela Northway, e logo estavam em frente à casa. Ao ver um carro parado no pátio, Beth hesitou:

- É Thomas! Eu não vou entrar.

- Pare de bobagens, Elizabeth. Pelo amor de Deus! Agora que vocês acabaram, vai dizer que nunca mais irão sequer ver um ao outro? - respondeu Helena, com impaciência, caminhando em direção à porta.

- Helen tem razão, Beth. - Katarina tentava acalmar a amiga. - É só entrar, se você não quiser, não precisa falar com ele, só que não poderá ficar plantada aqui no pátio. Vem?

- Tudo bem, eu vou. - cedeu ela, enquanto era praticamente arrastada pela amiga.

Thomas estava sentado em um dos sofás da sala de televisão. Vestia uma camiseta preta de manga longa, com uma caveira branca estampada, e usava um casaco preto por cima. A sala estava aquecida pela grande lareira, ele e Johnny conversavam animados, mal perceberam a chegada das meninas. Quando Elizabeth entrou, exitante, seus olhos rapidamente cruzaram-se com os dele. Helena e Dorothea sentaram-se no tapete, em um local próximo à lareira. Katarina e a amiga sentaram-se ao lado de Johnny.

- Vocês querem beber alguma coisa? Tem whisky, vodka, amarula... - ofereceu Ficzko.

- Não, prefiro almoçar antes, e acho que as meninas concordam comigo, não é? - disse Katarina, e as demais concordaram.

- Não vão me convidar para o almoço? - indagou Thomas, esboçando um lindo sorriso.

- Claro né, Thom. Cada pergunta besta que você faz! - exclamou Dorothea.

- Ah, como você é meiga, Dorothy! Então, pizzas? - sugeriu ele.


Ligaram para o centro da cidade e encomendaram 5 pizzas. Em pouco menos de uma hora estavam todos almoçando, e conversando sobre coisas aleatórias. Elizabeth passara o tempo todo calada, pois sentia-se constrangida com a presença de Thomas, não conseguia sequer olhá-lo nos olhos. A situação chegava a ser embaraçosa, percebendo isso, Helena convidou-a para tirar a mesa e lavar os pratos, enquanto os outros ficariam por ali, convite que ela aceitou prontamente. Logo quando chegaram na cozinha, Beth desabafou:


- Obrigada por me tirar dali, Helena. Eu juro, tava tentando me controlar para nao deixar transparecer meu nervosismo diante dele, mas acho que não consegui, né?


- Relaxa, coisas assim acontecem. Sabe, as vezes também me sinto encomodada perto do Ficzko. - comentou Helen, que, distraída, mal percebera que revelara aquele segredo, tão bem guardado.


- Ficzko? O Johnny? Nossa! Eu não sabia que você era afim dele! - exclamou Elizabeth, quase deixando cair um prato que segurava.


- Fala baixo, né. Já faz algum tempo, aliás, bastante tempo.


- Bastante tipo, quanto?


- Uns 3 anos, eu acho.


- Caramba, então quando ele e Kat namoravam, você...


- Eu vou te contar uma história, mas você tem que prometer que é um segredo nosso, e que você não vai contar pra ninguém. Certo?


- Eu juro. - falou Elizabeth, largando o pano de secar louças e sentando em uma cadeira ao lado de Helena.


- Um pouco antes de que eles começassem o namoro, um mês antes, para ser mais exata, teve uma festa, na casa do Michael, não sei se você lembra. Então, era uma festa ao ar livre, todo mundo bêbado, aí , lá pelas quatro da manhã, o John, super bêbado, me puxou lá pra dentro, sem mais nem menos, e nós ficamos. Continuamos ficando durante um mês, mas escondido de todos, porquê ele nao queria que ninguém soubesse, e eu respeitei. Passado um mês, no aniversário da Lucy Fanning, ele terminou comigo, sem dar nenhuma explicação, e logo depois eu o vi agarrado na Katarina.


- Que cafajestagem! Juro que jamais esperaria isto dele. - a voz de Elizabeth saía em um misto de pena e indignação.


- É, eu sei. Você não tem noção do quanto isto foi duro para mim, eu o amava demais. Pensei em me afastar de todos, mas, de qualquer forma, era apenas ele o culpado. Por algum tempo, odiei Kat, com todas as minhas forças, mas aí percebi que ela simplesmente nao sabia de nada, então não podia culpar-lhe.


Ouviram passos vindos da sala, e instantaneamente interromperam a conversa, há tempo de que não fosse ouvida. Logo Thomas chegou na cozinha, parecia alegre:


- Meninas, tem uma festa hoje, nas antigas ruinas do castelo Briatore. Vai todo mundo, bebida liberada, e o ingresso tá super barato. O pessoal ali na sala concordou, só faltam vocês, que tal?


- Não sei, acho melhor não. É de noite... - murmurou Helena.


- E você, por acaso, queria que fosse de dia?


- Também não precisa ser grosseiro com ela, Thomas. - bradou Elizabeth. - Nós vamos sim, vamos todos, e não nos separaremos por lá. Ficaremos bem, Helen. Eu prometo.


- Cara, eu acho melhor vocês pararem de exagerar no baseado. - comentou Thomas, virando as costas e voltando para a sala.


- Que estúpido! Como você aguentou isso Beth? Você é linda, ele simplesmente não te merece.


- É, eu sei. Mas às vezes fica tão difícil controlar um sentimento!


Logo foram para a sala juntar-se com o grupo, que assistia alguns clipes na televisão.


- Será uma noite inesquecível, eu garanto. - disse Thomas, olhando fixamente para Elizabeth.