- Percebi sim, mas prefiro não ficar me iludindo com isso, sabe. Eu não sei mais se ele é o melhor pra mim.
- Não sei, não faço questão de pensar sobre tal assunto. E você, pretende ficar com quem hoje à noite? - dizia Elizabeth, deitada na cama, com o olhar distante.
- Preciso te contar uma coisa. - Katarina deitou-se ao lado da amiga.
- Ficzko me falou que tem um amigo dele de olho em mim. Lembra do Max?
- Max... Aquele que era vocalista da primeira banda dos meninos, a Bloody Mary?! - exclamou Beth, sentando-se.
- É um desses que eu mereço!
E as duas rolaram na cama, rindo. Por um momento, esqueceram que a noite logo chegaria, e com ela, os problemas. Ouviram passos no corredor, era Ficzko:
- Meninas, podem ir pro banho. A Helena também já está pronta. Preciso me vestir, com licença?
- Tem toda, querido. - disse Beth, saindo.
Na sala, encontrou Ficzko, e sentou para assistir televisão com ele. Estava bonito, com uma camiseta cinza de aparência desbotada, calça jeans preta e all star. Sabia da paixão que Helen nutria por aquele homem, era compreensível, ele era o sonho de consumo de qualquer uma. Além de bonito, sempre fora simpático, isso contava muitos pontos à seu favor. Logo Katarina e Elizabeth juntaram-se a eles. Ele não pôde conter o elogio:
- Nossa, vocês estão lindas!
E de fato, estavam mesmo. Beth vestia uma saia longa, com uma fenda na lateral, um corpete preto tomara-que-caia, de tecido sintético e um tamanco preto de plataforma. Já Katarina usava um vestido preto decotado, com uma fenda nas costas e calçava uma bota de plataforma preta. Deslumbrantes, qualquer homem descreveria-as assim.
Meia hora depois a campainha tocou: era Thomas. Seguiram para a festa, o local era afastado da cidade. Eram ruínas de um castelo, que há muito tempo atrás pertenceu à uma família bastante rica daquela região, e até hoje ninguém sabe porquê abandonaram o lugar. Helena não falou nada o caminho inteiro, permanecia cabisbaixa, e às vezes observava Ficzko, com o canto do olho. Elizabeth percebeu isso, e sentiu-se quase que na obrigação de ajudar sua amiga.
Quando chegaram no castelo, cada um seguiu para um lado: Johnny avistou uma antiga "quase-namorada", e desceu com ela ao porão. Thomas foi logo conversar com Max, levando Katarina e Dorothea consigo. Quando ficaram sozinhas em um canto, Beth não demorou a perguntar:
- O que houve Helen? Percebi o quanto você esteve calada durante o caminho. É algo sobre ele? - falou, apontando discretamente para Johnny, parado em frente à escada que conduzia ao porão.
- Sim, é. Me sentiria mal em contar, é algo vergonhoso. - cabisbaixa, olhava para os lados, desviando o olhar da amiga.
- Mas você se sentiria melhor desabafando, sabes que pode confiar em mim, não sabes?
- Você não entenderia, ninguém entenderia. - falou ela, quase em um sussurro, e acendeu um baseado (necessitava daquilo, era apenas pra aliviar.)
- Está certo, é você que decide, não insistirei. Vou ali ver o que Katarina quer, ela está me chamando, depois eu volto. - seguiu até Kat, desviando das muitas pessoas que estavam ali, aquele era um local bastante usado pelos jovens para fazer suas festas. Logo conseguiu chegar junto à ela.
- Beeeeeeth! Amiga, o Max quer ficar comigo! Você acredita nisso? - disse Katarina, ofegante.
- Eu não quero morrer, ela disse assim. E ela morreu, eu também morri, mas não era eu, agora serei.
- É perigoso ficarmos aqui fora, Beth, além do mais, está muito frio.
- Também é perigoso ficarmos lá dentro, eu... Eu não quero morrer! Foi isso que ela disse, Ficzko. - dizia ela, com os olhos perdidos no vazio daquela paisagem mórbida que os cercava. - Porém, ela morreu, todos sempre morrem e essa maldição, não tem um final. Veja, agora sabemos de dois casos parecidos, em anos completamente diferentes!
- Eu sei, mas nós precisamos juntar os fatos, descobrir se há realmente alguma ligação entre isso tudo! Eu te prometo que amanhã mesmo nós iremos à biblioteca, pesquisaremos nos jornais para saber se há ou não mais casos sobre esse. Confie em mim!
- Confio, mas tenho muito medo. E se tudo isso for verdade? Nós também morreremos? - buscava nele alguma resposta que a fizesse ter forças para continuar.
- Um dia, todos nós morreremos, mas lhe garanto que não será agora. Vamos entrar você está gelada!
- Esqueça, é segredo, não posso falar nada.
- Acho que entendo. Vamos para dentro, então?
- Sim, sim. - ia levantando-se, quando... - Espera, eu tive uma... sensação ruim. Não sei se quero entrar, Ficzko.
(clique para ampliar)
Estava surpresa! Aquela era realmente a letra dele, reconhecia-a de bilhetes e cartas de outrora. Indecisa, não sabia se descia ou não ao porão. Poderia ser uma bincadeira de mal gosto. Mas se não fosse? Decidiu arriscar. Iria descer e ver o que ele tinha para lhe dizer. Atravessou o enorme salão e viu-se frente a frente com a escada, que descia em forma de caracol até o subsolo, onde ficaria o local do encontro. Desceu sem pressa. Lá embaixo, ficava uma espécie de antiga biblioteca, com estantes empilhadas de quinquilharias e livros demasiado antigos.
- Elizabeth? - ouviu a voz que vinha do meio daquele emaranhado de livros. - Estou aqui, cadê você?
Logo encontrou-o, escorado em uma estante.
- Estou aqui, o que você quer?
- Dizer que ainda te amo. Olha, eu sei que tenho sido estúpido demais durante esse tempo todo, mas eu sempre tive medo de te perder, Beth. Quando nós terminamos, há poucos dias, você não sabe o quanto eu me senti mal, não tinha coragem de sair de casa, enfrentar o mundo sem você. Me perdoa? - foi aproximando-se dela, e, lentamente, beijou-a.
Aquele beijo veio como um susto para ela. Jamais esperaria isto dele! Logo ele, tão insensível, desculpando-se de forma tão sincera. Teve o ímpeto de abrir os olhos, e quando abriu-os, teve vontade de gritar: não era mais Thomas, mas sim, aquele homem do Lord Sodomy.
- Cuidado, Elizabeth. Talvez eu possa mesmo ler os seus pensamentos, minha querida. Você não tem saída, irá morrer. - disse ele, friamente.
Ela empurrou-o contra uma estante que estava atrás deles, e com a força do impacto, vários livros caíram sobre sua cabeça, cortando-a.
- Eu te odeio, odeio você! Morra, some da minha frente, porque você não vai embora? Pare de me torturar assim, retire essa maldição, eu te odeio! - gritava descontrolada, enquanto lágrimas escorriam sobre sua face branca e maquiada. Ia encolhendo-se no chão, como criança desprotegida, acabou fechando os olhos. Abriu-os quando ouviu a voz de Thomas, enfurecido.
- Sua retardada! Porque você fez isso Elizabeth? Você é doente!
- Perdão, perdão Thomas! É que não era você, era... Era ele, me ajuda, por favor! - agarrava-se nas pernas dele, tentando levantar do chão.
- Olhe bem pra esse sangue, por que daqui pra frente, ele escorrerá de seus olhos. Você vai pagar muito caro por isso. - jogou-a naquele piso frio, indefesa, e caminhou até a escada. Não demorou muito para que ele sumisse, avançando os degrais com pressa.
Elizabeth tentava recompor-se, mas era impossível. Aqueles malditos fantasmas! Estavam em todos os lugares, será que nunca iriam deixar-lhe em paz? Ouviu seu nome sendo chamado, levandou-se correndo, na esperança de que Thomas tivesse mudado de idéia, mas eram apenas Helena e Ficzko.
- O que houve aqui? Vimos Thom subindo as escadas, e ele estava sangrando! Vocês brigaram? - indagava Johnny, enquanto Helena abraçava a amiga, que estava desesperada.
- Aquele homem, aquele do bar. Ele esteve aqui, primeiro era Thomas me pedindo desculpa e me beijando, mas quando abri meus olhos, já não era mais ele, e sim um fantasma. Ele disse que eu vou morrer! - dizia Elizabeth, chorando compulsivamente.
- Precisa tentar se acalmar, vai dar tudo certo. Nós estamos aqui agora, e juntos somos fortes, nada irá nos matar. - Helen tentava consolá-la, embora estivesse tão assustada quanto ela. Permaneceram algum tempo ali.
- Acho que podemos ir embora, vocês não acham? - Johnny olhou no relógio de pulso: 05:58 am.
- Sim, eu me sentiria muito melhor em casa, por favor, vamos. - dizia Beth.
- Tudo bem, vou lá em cima chamar os outros. Vocês vem comigo?
- Não. Prefiro esperar aqui, depois você nos chama, fica comigo Helen? Por favor. - o tom suplicante de Elizabeth fez com que a amiga concordasse com a cabeça, então Johnny subiu, deixando-as a sós.
- Sei que essa não é a hora certa, - começou Helena, hesitante. - mas preciso te contar algo. Preciso desabafar com alguém, pois isto corrói-me por dentro.
- Pode falar, acho que já estou menos abalada.
- Há um ano atrás, eu abortei um filho do Johnny. - desabafou ela.
- Como assim? Você me disse que vocês ficaram há anos, e ano passado, ele e Kat namoravam!
- É, foi por isso que eu abortei, olha, você nao vai me entender. Ele traiu ela comigo, Beth. Nós passamos a noite juntos, quando descobri que estava grávida, fui direto contar para ele, e ele não hesitou: mandou-me abortar.
- Porque você fez isso? Se tivesse contado a verdade para Katarina, ela terminaria com ele, e você poderia ter tido seu filho!
- As coisas não são tão simples assim. Eu nao tinha condições psicológicas pra criar uma criança, você sabe disso. Mas não pense que eu não me arrependo disso. Relembro desse fato todas as noites, minha cabeça fica pesada no travesseiro. Na época, pensei que seria o melhor a fazer, será que... - foram interrompidas por John, que as chamava do alto da escada. Subiram até ele, sem trocarem sequer uma palavra.
- Nós vamos de carro com o Max, ele e a Katarina estão nos esperando lá fora. Venham. - foi dirigindo-se à porta, puxando Elizabeth pelo braço.
- E Dorothea, onde está? - perguntou Helena, preocupada, não via há irmã há horas. - Não vai conosco?
- Deixem-na, ela se vira. Venham. - continuou puxando Elizabeth, que revoltou-se, se desvencilhando dele.
- Espere! - começou ela. - Que diabo de história mais mal contada é essa? Porquê vamos com Max? E Thomas, ficou tão zangado comigo que foi embora? Com quem Dorothea está?
- Max está com pressa, nós... Precisamos ir. Eu explico tudo no caminho. - respondeu ele, visivelmente preocupado.
- Mas o que está havendo? Eu não saio daqui até que... - antes de completar a frase, virou-se e viu algo que machucou-a profundamente: lá no canto, Thomas e Dorothea estavam agarrados, aos beijos. - Acho que entendi tudo.
- Puta que pariu, mas o que diabos a Dorothea tá fazendo ali? - exclamou Helena, revoltada.
- Outra hora nós descobrimos, é melhor irmos atrás de Elizabeth, sabe deus o que ela pode fazer! Vamos. - então ambos seguiram atrás dela, que já chegava na porta. Alcançaram-na fora do castelo, Helena segurou-a pelo ombro.
- Beth, eu não sei o que ela está fazendo, e pouco me interessa saber. Me desculpe por ela, de verdade.
- Não é você que tem que se desculpar, e por mais que ela se desculpe, isso não tem perdão. Vamos embora, preciso urgentemente ir para casa, tirar essas roupas que não são minhas e tomar um banho, para me livrar dessas sensações.
Todos no carro sabiam o que havia ocorrido, então não trocaram uma palavra sobre o assunto. Andavam em alta velocidade, não demorou muito para que chegassem até a casa de Johnny. Ele, Helena e Elizabeth desceram, Katarina decidiu dormir na casa de Max.
- Me empresta uma camiseta pra mim dormir, Ficzko? - pediu Beth. Aparentava uma tranquilidade que todos sabiam ser falsa, e isto assustava. - Depois vou em casa, buscar minhas próprias roupas. E quero uma toalha também, preciso de um banho.
- Empresto sim, vai indo pro banheiro que depois a Helen leva lá pra você. Olha, se quiser desabafar, nós estamos aqui. Você sabe disso, não sabe?
- Sei, e sei também que não preciso desabafar. As coisas que ocorreram hoje, foram bastante esclarecedoras. - Beth seguiu até o banheiro. Despiu-se, entrou no box e ligou o chuveiro frio. Mas antes, pegou uma gilete que estava no armarinho em cima da pia.
A água fria escorria pelo seu corpo. Estava congelante, como se estacas estivessem sendo cravadas nela. E aquela dor era profundamente acalmadora. Seus cabelos, negros e compridos grudavam na face e no corpo. Olhou fixamente para seus pulsos, e pegou a gilete. Não era tão digna quanto uma navalha, mas também cortava, e como cortava! Foi apertando-a contra sua pele, antes branca, agora manchava-se de sangue. Aquele líquido, rubro e pastoso, escorria de seus pulsos e caía pelo ralo do banheiro. Era isso: o sangue simbolizava sua dor, vê-lo partir era como se a dor estivesse indo embora, para não mais voltar. Infelizmente, sabia que as coisas não funcionavam assim. Desligou o chuveiro, o corte fora um tanto profundo e o sangue continuava a escorrer. Olhou para seus pés, lambuzados de vermelho, sentia remorso.
Havia tomado uma decisão: logo mais tarde, provavelmente após o almoço, iria até a biblioteca pesquisar. Aquilo tinha que ter um fim, estava passando dos limites da própria racionalidade.